Esses dias eu estava olhando minhas tranqueiras por aqui e por algum motivo daqueles que transcendem a razão, resolvi montar um amplificador classe A partindo do zero, no estilo “Um ferro de solda na mão e uma ideia na cabeça”.
Claro que nesse samba “outras notas acabaram entrando” e compartilho aqui, como fiz para polarizar o transistor e o coloquei para funcionar à moda antiga sem utilizar simuladores.
Nada mais que a lei de Ohm e um pouco de bom senso é o tema do artigo de hoje. Abaixo segue um vídeo com um prensadão deste artigo:
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O que é um amplificador Classe A?
Seguem algumas características do amplificador classe A:
- O transistor conduz corrente 100% do tempo.
- O elemento amplificador é responsável por amplificar todo o sinal de entrada, não importando que o sinal de entrada venha a assumir valores positivos ou negativos.
- Trata-se basicamente do amplificador de emissor comum, devidamente polarizado e com seu capacitor de bypass, cujo circuito básico segue abaixo:
Se eu fosse falar da parte teórica:
Para conversarmos detalhadamente sobre o princípio de funcionamento desse circuito, eu teria de abordar tópicos como regime de operação, curva de transferência, ponto quiescente e muitos outros itens que são fartamente documentados e não são novidade para ninguém.
Para não ficar chovendo no molhado, ao final do artigo coloquei algumas referências que cobrem esse assunto com a maestria digna de um curso no MIT.
Vá nelas se precisares de fundamentação teórica, que o foco desse artigo é mostrar alguns aspectos práticos e curiosidades, obviamente sem esgotar o assunto.
Polarizando o amplificador, na prática
Quando a gente vai polarizar um circuito desse tipo, a gente precisa definir os seguintes dados:
- Tensão da fonte = 12V
- Corrente de coletor do circuito em repouso (Icq): “Eu quero que seja 0,001A”.
- Tensão sobre RC = Vcc/2 = 6V
- Tensão sobre RE = 1V: “Eu quero que seja 1 volt”.
- Tensão entre coletor e emissor do transistor: Sobrou 5 Volts.
Considerando os dados acima, basta usar a lei de Ohm para chegar no valor de RC como 6K2Ω e no valor de RE como 1KΩ, conforme figura abaixo:
Dessa forma, quando o amplificador estiver em repouso, a tensão entre V0 e terra será de 6Volts. Note que foi desprezada a influência da corrente de base do transistor.
Beleza: Ainda de acordo com Cory e Chaniotakis (2006), até aqui foi definido o valor da corrente de coletor do amplificador, bem como a tensão V0 quando o amplificador está em repouso.
Aplicando a lei de Ohm, com o transistor saturado, V0 será cerca de 2Volts e com o transistor cortado V0 terá um valor próximo da tensão da fonte, ou seja, o sinal de saída terá no máximo cerca de 10Volts pico a pico.
O passo seguinte seria definir o valor de R1 e R2 de forma a garantir uma corrente de base suficiente para fazer VCE=5V quando não há sinal de entrada no amplificador. É o tal do ponto quiescente.
Antes de definir o valor de R1 e R2
Tomando como base o transistor 2SC945 e provavelmente estendendo a outros transistores, eu diria sem a pretensão de esgotar todos os argumentos, que a polarização da base do transistor a partir de modelos matemáticos é um tanto quanto complicada de se fazer em projetos reais, pelos seguintes motivos:
Faculdade X Vida Real
Considerando o gráfico abaixo que mostra o comportamento da corrente de coletor x tensão coletor emissor, uma diferença que existe entre exercícios realizados na escola e os circuitos da vida real, é que o professor normalmente escolhe valores que batem com os gráficos fornecidos pelos fabricantes dos componentes, para que ele consiga explicar a matéria.
Ainda no gráfico abaixo e assinalado em azul, o professor provavelmente montaria os exercícios escolhendo, por exemplo, uma corrente de coletor de 8mA, uma tensão coletor emissor de 40V e daria um jeito de colocar a corrente de base entre 1,5uA e 2uA para que as contas deem certo e as curvas fiquem no meio do gráfico … e isso não está errado!
Na vida real, tomando como exemplo esse projeto, é especificado uma corrente de coletor de repouso em 1 miliampere, que pode variar de zero a cerca de 2mA. Se for utilizar esse gráfico, quase que os números anotados em vermelho saem fora da escala!
Dito isso, se for fazer todas contas na teoria, dependendo das especificações do projeto, pode ser necessário primeiro fazer o levantamento da curva do transistor dentro do regime de operação desejado para depois prosseguir com os cálculos teóricos. Não vai rolar.
E como fica o tal do beta?
O valor do ganho do transistor (β ou hfe) pode variar e muito.
Conforme figura abaixo, se pegar de exemplo a ficha técnica do transistor 2SC945, veremos que o hfe daquele transistor pode variar entre 50 e 600. É uma variação de 1200%!
Essa variação absurda acontece por vários motivos que vão desde a polarização do dito cujo, passando pela temperatura e até lotes de fabricação diferentes do mesmo componente podem ter betas diferentes.
Aí me vem o Cory e o Chaniotakis e falam:
DO NOT DESIGN WITH β
Cory e Chaniotakis (2006)
Isso me leva a entender que não é razoável considerar o beta para projetos de circuitos. Mais ainda não vai rolar.
Definindo o valor de R1 e R2
Depois de colocar essas considerações, eu diria que a alternativa prática que temos é extremamente simples e efetiva. Segue abaixo:
- A corrente de polarização Ipol a ser considerada é cerca de IC/10 e não é um valor crítico.
- É só escolher um potenciômetro que consuma uma corrente aproximada à Ipol.
- Uma vez montado o circuito, basta ajustar o potenciômetro até que Vce chegue no valor especificado, que nesse caso é 5V.
- Conseguido o valor, mede-se a resistência entre os terminais do potenciômetro e faz-se a substituição do potenciômetro pelos resistores R1 e R2.
- Só isso.
Circuito final
Acima temos o circuito final, com todos os valores calculados. C1 e C3 fazem o desacoplamento da tensão DC de funcionamento do circuito. C2 faz o desacoplamento de RE quando o circuito está amplificando algum sinal e isso serve para aumentar o ganho do amplificador.
Segue abaixo o amplificador funcionando:
Fontes:
David Cory, Ian Hutchinson, and Manos Chaniotakis. 6.071J Introduction to Electronics, Signals, and Measurement. Spring 2006. Massachusetts Institute of Technology: MIT OpenCourseWare, https://ocw.mit.edu. License: Creative Commons BY-NC-SA. Acesso em: 17 set. 2020.
CORY, David; CHANIOTAKIS, Manos. Bipolar Junction Transistor Circuits Biasing. 2006. 22.071/6.071 Spring 2006. Disponível em: https://ocw.mit.edu/courses/electrical-engineering-and-computer-science/6-071j-introduction-to-electronics-signals-and-measurement-spring-2006/lecture-notes/20_bjt_2.pdf. Acesso em: 17 set. 2020.
CHANIOTAKIS, Manos; CORY, David. Bipolar Junction Transistor Circuits. 2006. 22.071/6.071 Spring 2006. Disponível em: https://ocw.mit.edu/courses/electrical-engineering-and-computer-science/6-071j-introduction-to-electronics-signals-and-measurement-spring-2006/lecture-notes/21_bjt_3.pdf. Acesso em: 17 set. 2020.
NEC CORPORATION (ed.). NPN Silicon Transistor: 2sc945. 2SC945. 1999. Disponível em: https://www.rcscomponents.kiev.ua/datasheets/2sc945.pdf. Acesso em: 20 set. 2020.
TUTORIALS, Electronic. Common Emitter Amplifier: the most common amplifier configuration for an npn transistor is that of the common emitter amplifier circuit. The most common amplifier configuration for an NPN transistor is that of the Common Emitter Amplifier circuit. 2019. Disponível em: https://www.electronics-tutorials.ws/amplifier/amp_2.html. Acesso em: 05 out. 2020.
Publicado por Renato de Pierri em 21/setembro/2020