Esse post veio da seguinte pergunta no Quora:
Os fios de energia tem duas fases de 127V, essas fases estão em sentido opostos? Se não, como eles são somados para formar 220V?
A resposta que vou dar aqui é baseada na energia elétrica que é fornecida em minha residência. Para outras unidades consumidoras, a resposta pode ser diferente, ok?
Olhando a conta de energia elétrica:
Olhando a conta de energia elétrica de minha casa, conforme figura 1 abaixo, podemos ver que o tipo de fornecimento de energia elétrica é monofásico (guarde essa informação).
Com essa informação dá para falar com segurança que a energia elétrica que chega em minha residência é monofásica a 3 fios.
Pera lá e a pergunta:
É exatamente aqui que entra a pergunta do Quora: Como a energia fornecida pode ser monofásica se chegam 3 fios na residência?
Como se a gente medir do neutro para cada uma das supostas fases dá 127Volts e se a gente medir entre as duas supostas fases temos 220Volts?
Que mutreta é essa?
Me explica isso aí que preciso saber 🙂
O transformador no poste:
Como sempre sem entrar em muitos detalhes, podemos dizer que o transformador lá da rua é um monte de fio enrolado de tal maneira que seja possível reduzir a alta tensão da rua para os 220Volts que utilizamos em casa.
A parte do transformador que recebe a alta tensão da rua é chamada de primário do transformador e a parte que entrega os 220V para as residências é chamada de secundário do transformador.
Focando no secundário do transformador.
A grosso modo, podemos dizer que o secundário do transformador, nesse caso, é composto por 3 enrolamentos ligados conforme figura 2 abaixo, que compõem as 3 fases de um sistema trifásico:
Esse diagrama de ligação do secundário do transformador é chamado de ligação delta. Também tem a ligação estrela que não vou abordar nessa resposta.
Note que os enrolamentos do transformador são ligados “no formato” de um triângulo e que temos as seguintes tensões de fases:
- Tensão de fase 1 entre o ponto A e C, fornecendo 220Volts.
- Tensão de fase 2 entre o ponto B e C, fornecendo 220Volts.
- Tensão de fase 3 entre os pontos A e B, fornecendo 220Volts.
Agora as coisas começam a ficar interessantes:
Os fios que saem dos pontos A, B e C se chamam “fase” e muitos técnicos confundem o fio de fase com a tensão de fase que é algo totalmente diferente.
A tensão de fase é medida, nesse caso, entre dois fios de fase. Um fio de fase está saindo do ponto A e o outro fio de fase está saindo do ponto C.
Quando eu meço a voltagem entre os fios de fase que saem do ponto A e C, eu estou medindo apenas uma tensão de fase, que nesse caso é a tensão de fase 1.
Na minha residência não tem como ter as outras 2 tensões de fase porque está faltando o fio de fase que sai do ponto B. Simplesmente não dá para usar as outras duas tensões de fase.
Por isso é que o sistema é monofásico. Ele é monofásico porque está chegando na unidade consumidora apenas uma tensão de fase.
Eu tenho o neutro e 2 fios de fase que me permitem utilizar apenas uma tensão de fase ;-).
Ok, ainda está faltando o neutro. De onde vem o neutro?
Ainda olhando na figura 2, dá para ver que tem um fio saindo do meio do enrolamento do transformador que faz a fase 1. Ele é o neutro.
Abaixo segue o detalhe da fase 1, mostrando a ligação do fio neutro na rua e nos fios que chegam em casa:
O fio neutro é uma derivação bem no meio do enrolamento do transformador.
Por isso que a voltagem sai meio a meio, mas mesmo assim a tensão não muda de fase.
Explicando melhor:
Digamos que esse enrolamento entre os pontos A e C tenha 220 espiras (voltas).
Podemos dizer que os 220Volts estão distribuídos entre o ponto A e C do enrolamento do transformador.
Como esse enrolamento tem 220 espiras, podemos dizer que cada espira é responsável por fornecer 1 volt.
À medida que vou subindo as espiras, a voltagem vai subindo até eu chegar na última espira e enxergar os 220Volts entre o ponto A e C.
Não há mudança de fase quando eu caminho do ponto A para o ponto C do enrolamento e vou medindo a tensão das espiras, ou vice versa. A tensão medida apenas aumenta ou diminui, mas sempre permanece em fase. Por isso que é monofásico.
Se eu parar na metade do caminho entre A e C e fizer uma derivação naquele ponto e o chamar de neutro, a tensão de saída do neutro para o ponto A ou C será exatamente a metade da tensão entre o ponto A e C.
Aí o que os caras fazem?
- “Eles” aterram essa derivação central do transformador da rua, justamente aquele fio que sai do meio do enrolamento.
- Então eles “batizam” de neutro essa derivação central que foi previamente aterrada.
- Dizem que “não dá choque”,
- Nos dizem que ele é o ponto de referência para medir tensão
- E aí a gente mede do meio do enrolamento do transformador para cada uma das pontas e encontra os 110Volts
- E aí a gente mede entre os pontos A e C e encontra os 220Volts
- E fica pensando que são duas fases, só que não é isso por conta da maneira que o enrolamento do transformador foi construído.
É só uma bobina com uma derivação central no enrolamento do transformador, cuja derivação central, “por acaso” foi aterrada.
De quebra, temos que dentro da casa, o neutro e terra tem o mesmo ponto de origem.
Enquanto o terra serve para proteger dispositivos elétricos e pessoas, o neutro permite que a residência seja alimentada com uma tensão menor e mais segura.
Note também que o neutro é aterrado tanto no poste como na caixa de medição de energia elétrica e o aterramento dentro da unidade consumidora deve ter uma origem única.
É isso. Espero que tenha conseguido esclarecer essa dúvida.
Fonte:
MARTIGNONI, Alfonso. Transformadores. 8. ed. São Paulo: Globo, 1969. 307 p. (ISBN: 85-250-0223-2).
Publicado por Renato de Pierri em 15/02/2021